Apple foi abalada – Como você pode se beneficiar

A Reviravolta Judicial: Apple é Obrigada a Mudar Práticas na App Store

A Apple sofreu um revés significativo nas cortes, uma decisão que beneficiará a maioria dos usuários e desenvolvedores, exceto a própria empresa. O cerne da questão reside nas práticas da Apple em relação às compras digitais feitas por meio dos aplicativos na App Store.

Para contextualizar, a Apple historicamente cobra uma comissão substancial de 30% sobre qualquer compra de bens digitais. Contudo, o problema central não é apenas a porcentagem, mas sim as práticas anticompetitivas implementadas contra os desenvolvedores, especificamente a maneira como a empresa proíbe a oferta de métodos de pagamento alternativos.

As Restrições Antigas da Apple

Anteriormente, a política da Apple era extremamente restritiva. De acordo com as regras de 2020, os aplicativos eram proibidos de:

  • Incentivar os usuários a usarem um método de compra diferente da compra no aplicativo.
  • Informar os usuários, dentro do aplicativo ou por meio de comunicações obtidas no registro da conta (como e-mail ou texto), sobre a existência de uma opção de compra mais barata diretamente no site do desenvolvedor.

Para ilustrar o impacto disso, considere um serviço como o YouTube Premium. Ao assinar através da App Store, o preço cobrado é maior para compensar a comissão da Apple. Os usuários não eram informados de que poderiam obter o mesmo serviço por um preço menor se assinassem diretamente no site da plataforma, pois os desenvolvedores eram impedidos de comunicar essa alternativa.

Um exemplo notório era a Netflix, que por muito tempo nem sequer oferecia a opção de assinatura dentro do aplicativo. Ela apenas informava que não era possível assinar ali, forçando os usuários a irem ao site, pois a empresa não queria repassar os 30% à Apple, mas também não podia simplesmente indicar o link direto no aplicativo.

A Decisão Judicial e a Tentativa de “Conformidade” da Apple

O caso Epic versus Apple resultou em uma ordem judicial para que a Apple cessasse essas práticas e permitisse que os desenvolvedores oferecessem métodos de pagamento alternativos. Em resposta, a Apple implementou mudanças que, na prática, não representaram uma conformidade real, o que levou a uma nova e mais severa decisão judicial.

As “Soluções” Propostas pela Apple

A nova decisão obriga a Apple a permitir compras fora do aplicativo (off-app purchases). A forma como a Apple tentou se adequar incluía, inicialmente:

  1. Permitir links de saída, mas cobrar uma comissão de 27% sobre qualquer compra feita no site do desenvolvedor dentro de sete dias após o clique (ou permanentemente, no caso de assinaturas).
  2. Permitir links de saída, mas com restrições severas sobre onde e como eles poderiam ser colocados, além de incluir um “pop-up de assustar” (scare-ware).

Em discussões internas, a Apple avaliou duas opções: isentar a comissão, mas limitar o posicionamento dos links, ou manter a comissão alta (27%) e permitir o posicionamento livre. A empresa escolheu a pior combinação de ambas: impôs a comissão de 27% e restringiu severamente a colocação e o design dos links.

A Apple também sabia que o pequeno “desconto” de 3% (diferença entre os 30% e os 27%) seria anulado pelos custos adicionais que os desenvolvedores teriam para configurar e gerenciar esse processamento de pagamento externo, tornando a opção inviável.

Restrições de Posicionamento e Design dos Links

As restrições de posicionamento eram projetadas para evitar que os links de pagamento alternativo ficassem próximos ao fluxo de compra dentro do aplicativo. Ou seja, o link para pagar mais barato não poderia estar perto de onde o usuário decide comprar.

Quanto ao design, apenas um “botão de link simples” (plain link button) era permitido. Este botão mal se parecia com um link, não podia ter moldura, precisava ter o mesmo fundo do aplicativo e apenas um pequeno ícone de link ao lado.

Além disso, para adicionar mais atrito, após o clique, surgia uma tela de aviso completa. O aspecto mais chocante é que este aviso agressivo só aparecia para compras de bens digitais (aquelas das quais a Apple cobra a comissão). Compras de bens físicos não acionavam o mesmo alerta, o que mina a alegação da Apple de que a medida era puramente por segurança.

Em discussões internas de Slack, os próprios designers admitiram que usavam o termo “site externo” porque soava “assustador”. Um funcionário chegou a sugerir adicionar o nome da empresa desenvolvedora em vez do nome do app para tornar o aviso “ainda pior”, sugestão que foi acatada.

Fricção Adicional: Links Estáticos

Para aumentar a fricção, a Apple exigiu o uso de “links estáticos”. Isso significava que os links não poderiam conter informações do usuário. Se o usuário estivesse logado no aplicativo, ele não seria redirecionado automaticamente para a mesma conta no site externo; ele teria que fazer login novamente, potencialmente perdendo o item no carrinho, tudo justificado como uma medida de “segurança e privacidade”, embora essa restrição não se aplicasse a outros tipos de links.

Os desenvolvedores também eram limitados a usar apenas cinco modelos pré-aprovados de texto para esses links.

Punições e Exclusões

Para piorar, os desenvolvedores que optassem por usar links externos ficavam excluídos de outros programas da Apple, como o Apple Video Partner Program ou News Partner Program, que oferecem comissões menores (cerca de 15%). Usar links externos significava, na prática, dobrar a comissão efetiva, tornando a opção inviável.

Mentiras Sob Juramento e a Reação da Corte

A situação se agravou quando a Apple foi acusada de mentir sob juramento. A empresa alegou que a taxa de 27% foi baseada em estudos de grupos de trabalho sobre o valor agregado do ecossistema. No entanto, quando o juiz solicitou os documentos internos, essas justificativas não apareceram em lugar nenhum, levando o juiz a concluir que a real intenção era puramente a receita.

Um vice-presidente de finanças da Apple testemunhou sob juramento que a empresa “não tinha ideia” de qual comissão impor antes de janeiro de 2024. Contudo, documentos mostravam que a decisão de 27% havia sido tomada em julho do ano anterior. A falta de correção desse depoimento foi vista como uma mentira direta.

As Novas Ordens Judiciais

O juiz impôs medidas imediatas, sem direito a recurso ou adiamento, devido aos atrasos repetidos e à gravidade da conduta da Apple:

  1. Proibição de Comissão: A Apple está permanentemente proibida de impor qualquer comissão ou taxa sobre compras feitas fora do aplicativo. Consequentemente, não há mais necessidade de auditar ou monitorar essas atividades externas dos desenvolvedores.
  2. Liberdade de Comunicação: A Apple não pode mais controlar o que os desenvolvedores comunicam aos clientes fora do aplicativo.
  3. Liberdade nos Links: Proibição de restringir estilo, linguagem, formatação, quantidade ou posicionamento dos links de compra externa. Os desenvolvedores podem usar botões chamativos, como um link grande dizendo que o preço da Apple é maior.
  4. Inclusão Universal: Proibição de excluir categorias de aplicativos ou desenvolvedores de usar esses links.
  5. Neutralidade nas Transições: A Apple deve usar apenas uma mensagem neutra ao informar o usuário que ele está saindo para um site de terceiros, proibindo o uso de pop-ups de “scare-ware”. A mensagem deve ser um simples diálogo informando a mudança de site.
  6. Links Dinâmicos: Permissão para o uso de links dinâmicos que levam o consumidor a uma página de produto específica no estado logado, permitindo o repasse de detalhes do produto e do usuário.

O juiz determinou que essas restrições são imediatas, pois refletem as ações específicas tomadas pela Apple para violar a ordem anterior.

Consequências Finais

Como punição adicional, a Apple foi obrigada a pagar as custas judiciais do advogado da Epic. O juiz alertou que qualquer nova tentativa de interferir na competição resultará em sanções monetárias civis.

O golpe final foi o encaminhamento do caso a um promotor na Califórnia para investigar a Apple e o vice-presidente de finanças por desacato criminal ao tribunal e mentira sob juramento.

Em resumo, a corte concluiu que a Apple escolheu deliberadamente não cumprir a injunção com o objetivo de manter um fluxo de receita que já havia sido considerado anticompetitivo, superestimando o quanto o tribunal toleraria tal insubordinação.

Com esta decisão, os desenvolvedores agora podem “abrir as comportas” e informar os consumidores que existe uma opção de compra mais barata fora do ecossistema da Apple, algo que os usuários certamente receberão com descontentamento em relação à conduta anterior da empresa.