Desastres Nucleares Que Foram Silenciados

As Sombras Invisíveis: Tragédias Esquecidas da Era Nuclear

Na década de 1920, em meio à efervescência dos Estados Unidos, os relógios que brilhavam no escuro eram um sucesso estrondoso. A US Radium Corporation, em Nova Jersey, fabricava mostradores luminosos, adorados por militares, pilotos e usados como broches elegantes por mulheres da moda. O segredo por trás desse brilho era uma tinta composta de rádio 226 misturado a substâncias luminescentes.

Centenas de jovens, muitas vezes na faixa dos 14 aos 20 anos, trabalhavam aplicando essa tinta com pincéis finíssimos. O emprego era visto como prestigiado, limpo e bem remunerado. Essas moças ganharam o apelido de “Ghost Girls” (Garotas Fantasma), pois ao final do dia literalmente brilhavam no escuro devido ao pó de rádio.

O Preço do Brilho: A Tragédia das Radium Girls

O grande problema residia na técnica de aplicação. Para conseguir traços ultr finos em mostradores minúsculos, as funcionárias eram instruídas a usar a técnica do “lambe, molha e pinta”. Isso significava lamber os pincéis com a tinta radioativa repetidas vezes por turno.

A empresa garantia que o rádio era seguro e até benéfico para a saúde. Naquela época, o elemento estava em alta, sendo adicionado a pastas de dente, cosméticos e até chocolates. Água radioativa era vendida como um elixir da juventude. No entanto, ninguém suspeitava que este elemento da moda era um assassino silencioso.

Os sintomas não eram imediatos. Começavam com um cansaço persistente, evoluindo para dores de dente. Os dentistas, ao extrair os dentes, notavam que as feridas não cicatrizavam. Pior ainda, os ossos da mandíbula começavam a brilhar e a se desintegrar, levando algumas funcionárias a perderem a mandíbula inteira.

O Rádio 226 possui uma meia-vida de 1600 anos. Quando ingerido, o organismo o confunde com cálcio, direcionando-o para ossos e dentes. Em vez de fortalecer, o rádio transforma o esqueleto em uma fonte permanente de radiação, como um mini reator nuclear interno.

Quando as funcionárias começaram a adoecer e morrer em massa, a corporação negou qualquer responsabilidade, e médicos ligados à empresa emitiam diagnósticos variando de sífilis a histeria, alegando que tudo era invenção das mulheres.

Felizmente, cinco das “Radium Girls” corajosas processaram a empresa. O julgamento se tornou um escândalo nacional. Mulheres moribundas, algumas tão fracas que mal conseguiam levantar a mão para jurar, compareceram ao tribunal, ainda brilhando no escuro, enfrentando a gigante corporativa.

Elas venceram a ação, mas a um custo terrível: a maioria das autoras não sobreviveu ao fim da década de 1920. No entanto, sua vitória resultou em uma revolução nas normas de segurança do trabalho e na criação dos primeiros padrões de proteção contra a radiação. A tragédia das “moças do rádio” marcou o primeiro caso em massa de envenenamento por radiação na história, mas longe de ser o último.

A Era Nuclear e os Acidentes Chocantes

Avançando duas décadas, o mundo entra na era nuclear após a Segunda Guerra Mundial. Em 21 de maio de 1946, no Laboratório Nacional de Los Alamos, um físico canadense conduzia um experimento de risco extremo.

Sobre a mesa, duas semiesferas de plutônio 239, totalizando 6.2 kg — uma quantidade muito próxima da massa crítica, necessária para uma reação em cadeia autossustentável. Slotin segurava a semiesfera superior com uma mão e, com a outra, utilizava uma chave de fenda como único separador entre as duas metades de uma potencial bomba nuclear.

Ele aproximava lentamente as metades, monitorando os contadores Geiger. Esse procedimento, que Richard Feynman descreveu como “fazer cócegas na cauda de um dragão adormecido”, envolvia sete outras pessoas no laboratório.

Em um instante fatídico, a chave de fenda escorregou, as semiesferas se tocaram, liberando uma súbita explosão de luz azul e um poderoso fluxo de nêutrons que sobrecarregou os instrumentos. Slotin instintivamente separou as peças com as próprias mãos, interrompendo a reação em menos de um segundo.

Ele percebeu o perigo imediatamente, dizendo aos colegas: “Acho que acabei de receber uma dose letal”. Seu corpo absorveu cerca de 2100 rems de radiação — o equivalente a 20.000 radiografias de uma vez. Ele serviu de escudo vivo para os outros sete presentes, que sobreviveram, embora alguns com sequelas. Nove dias depois, Slotin morreu de forma agonizante. O pedaço de plutônio utilizado era o mesmo que seria empregado na terceira bomba atômica planejada para o Japão. Nove meses antes, outro físico, Harry Daglian, também havia morrido ao manusear essa mesma amostra, que foi apelidada de “núcleo do demônio”. Após este incidente, todos os experimentos com massas críticas passaram a ser realizados remotamente.

Kyshtym: O Segredo Soviético

Onze anos depois, a energia nuclear começaria a mostrar sua face em escala industrial, simultaneamente em lados opostos da Cortina de Ferro. Em 29 de setembro de 1957, às 4h20 da manhã, no Complexo Químico Mayak, na cidade fechada de Chelyabinsk-40, ocorreu um desastre.

Tanques subterrâneos armazenavam resíduos altamente radioativos, subprodutos da produção de plutônio para as bombas soviéticas. Um cilindro de aço de 300 m³, contendo isótopos radioativos em solução de ácido nítrico, teve seu sistema de resfriamento quebrado um ano antes, e ninguém se apressou em consertá-lo.

A temperatura interna subiu, a água evaporou, e formou-se no fundo uma camada altamente explosiva de nitratos. A explosão, equivalente a 70 a 100 toneladas de TNT, arremessou a tampa de concreto de 160 toneladas para o ar. Uma coluna de resíduos radioativos subiu 1 km de altura, brilhando em tons assustadores.

Foram liberados 20 milhões de Curies de radioatividade — cerca de 80% do total liberado em Chernobyl, mas concentrado em uma área menor. A nuvem moveu-se para o Nordeste, contaminando vilarejos e campos. A evacuação só ocorreu uma semana depois. Inicialmente, moradores locais atribuíram o brilho a uma aurora boreal e a neve alaranjada a fertilizantes.

O mundo só soube do desastre em 1989, após 32 anos de silêncio. O “rastro radioativo do Ural Oriental” contaminou 217 povoados e expôs 270.000 pessoas.

Windscale: O Fogo no Grafite

Duas semanas após Kyshtym, em outubro de 1957, no Reino Unido, o complexo de Windscale enfrentava seu próprio pesadelo. O reator de grafite, usado para produzir plutônio, começou a incendiar. O grafite, carvão puro, é quase impossível de apagar quando em combustão, especialmente no núcleo de um reator devido ao Efeito Wigner (energia acumulada pelo grafite deformado por nêutrons).

Os operadores realizaram o procedimento de recozimento duas vezes seguidas, sem deixar o reator esfriar, um erro fatal. O fogo ardeu por três dias. Em 10 de outubro, um funcionário abriu a janela de inspeção e viu o inferno: barras de combustível em brasa e grafite queimando com uma estranha chama azul.

Os engenheiros decidiram encher o reator com água, uma receita para explosão de hidrogênio. Após 60 horas de chamas, eles arriscaram, e milagrosamente não houve explosão de hidrogênio. O fogo foi contido, mas a nuvem radioativa de Iodo 131 se espalhou pela Europa. Autoridades recolheram 2 milhões de litros de leite contaminado e o despejaram secretamente no Mar da Irlanda. O primeiro-ministro ordenou: “Enterrem isso bem fundo”. Enquanto isso, o segundo reator continuou operando ao lado das ruínas fumegantes.

Palomares: As Bombas Perdidas

Na década de 1960, durante a Guerra Fria e a operação “Chrome Dome” (patrulhas 24h com bombas termonucleares), o pior quase aconteceu. Em 17 de janeiro de 1966, sobre Palomares, na Espanha, um B-52 colidiu com um avião tanque.

Quatro bombas de hidrogênio, cada uma com potência 100 vezes maior que a de Hiroshima, caíram. Duas bombas se romperam no impacto, espalhando plutônio por 2.6 km² de solo. 100 toneladas de terra contaminada precisaram ser removidas.

As outras duas bombas tiveram paraquedas acionados; uma caiu em um campo, e a quarta foi parar no mar, sendo encontrada 80 dias depois a 869 m de profundidade. Os americanos chamaram esses acidentes de “Broken Arrow” (flecha quebrada). Oficialmente, 32 casos foram reconhecidos durante a Guerra Fria.

Em 1968, em uma base na Groenlândia, outro B-52 com quatro bombas caiu no gelo. Documentos desclassificados sugerem que uma arma capaz de destruir uma cidade como Berlim ainda pode estar sob o gelo.

Three Mile Island e o Início do Fim da Confiança

Em 28 de março de 1979, em Three Mile Island, Pensilvânia, uma falha trivial na bomba do circuito secundário desencadeou o caos. Leituras de instrumentos tornaram-se absurdas: os operadores não sabiam se o nível de água ou a temperatura estavam corretos. O núcleo do reator começou a derreter.

Às 8h, toda a América sabia, e a CNN transmitia ao vivo, criando o primeiro “reality show nuclear”. Cerca de 140.000 pessoas evacuaram por conta própria, desconfiando das garantias oficiais. Embora a emissão de radiação tenha sido mínima, a confiança no “átomo pacífico” foi abalada para sempre, e a construção de novas usinas nos EUA praticamente parou.

Desastres da URSS: A Era do Sigilo

Em 10 de agosto de 1985, na Baía de Shasma, no Extremo Oriente Russo, durante a recarga do reator do submarino K-431, ocorreu uma reação em cadeia descontrolada. A explosão térmica, equivalente a 10 quilotons, lançou a tampa de 12 toneladas do reator para o céu, em uma base naval. Os diagnósticos médicos para os liquidatários, expostos à radiação, eram eufemismos soviéticos como “distonia neurovegetativa”.

Em 1980, em Kramatorsk, Ucrânia, um prédio residencial de nove andares começou a registrar adoecimentos misteriosos. A causa: na década de 1970, uma cápsula de Césio-137 perdida em uma fábrica de concreto foi usada na construção do prédio. Por nove anos, os moradores viveram em uma caixa radioativa, com níveis de radiação excedendo os limites em 1000 vezes em alguns apartamentos. O prédio foi demolido.

Em 1987, em Goiânia, Brasil, no Instituto Goiano de Radioterapia abandonado, catadores de sucata encontraram um cilindro de chumbo valioso. Eles o levaram para casa e, usando martelo e chave de fenda, romperam a blindagem. Dentro, um pó azulado brilhava no escuro. O pó foi distribuído entre amigos e parentes, desenhado na pele de uma menina de 6 anos e polvilhado na comida. Duas semanas depois, vieram os vômitos, queimaduras e queda de cabelo. Foram 249 pessoas contaminadas e quatro mortes, incluindo a da menina Lady das Neves. Quarteirões inteiros precisaram ser demolidos.

Em 1961, no campo de testes de Idaho, EUA, no reator SL1, três técnicos faziam manutenção rotineira. Um deles puxou a haste central 50 cm, cinco vezes o necessário. Em 4 segundos, a água virou vapor, o reator saltou como uma chaleira, e a haste disparou, atravessando o corpo de um dos técnicos e cravando no teto. Dois homens morreram instantaneamente; o terceiro, após duas horas, devido à dose absurda de radiação.

Em 1963, no Uzbequistão, durante a perfuração de um poço de gás, um vazamento com chamas de 100 m de altura ardeu por três anos, transformando a areia circundante em vidro. A solução final foi a mais radical: detonar uma bomba atômica de 30 quilotons a 1532 m de profundidade para colapsar o poço e extinguir o fogo em 23 segundos. Isso deu início ao programa soviético de “explosões nucleares para a economia nacional”.

Em 2011, o terremoto de magnitude 9 no Japão causou um tsunami de 15 m que inundou os geradores a diesel de Fukushima. O resfriamento foi cortado, levando três reatores à fusão, explosões de hidrogênio e a contaminação do oceano.

Lições da Arrogância Humana

Todas essas histórias, das moças com ossos brilhantes aos reatores derretidos de Fukushima, têm um ponto em comum: a arrogância humana. A crença de que o átomo estava domesticado, que uma chave de fenda conteria o demônio, ou que barreiras de concreto deteriam a radiação.

Cada encobrimento se baseia na ideia de que o público não deve entrar em pânico, e cada vítima carrega a certeza de que “isso não acontecerá comigo”. O átomo não perdoa erros, arrogância ou esquecimento. A verdade, como a radiação, sempre encontra um caminho para vir à tona.

Perguntas Frequentes

  • O que é massa crítica na física nuclear?
    Massa crítica é a menor quantidade de material físsil necessária para iniciar e sustentar uma reação nuclear em cadeia autossustentável.
  • Por que o Rádio 226 é perigoso para o corpo humano?
    O Rádio 226 é quimicamente semelhante ao cálcio, o que faz com que o organismo o incorpore nos ossos e dentes, onde emite radiação continuamente devido à sua longa meia-vida.
  • Como a radiação de Kyshtym se comparou a Chernobyl?
    A liberação radioativa em Kyshtym foi estimada em cerca de 80% do total liberado em Chernobyl, mas concentrada em uma área geográfica muito menor.
  • Qual foi o resultado da tentativa de apagar o incêndio de gás em Urtabulacque?
    Após três anos de tentativas fracassadas, o incêndio foi extinto em 23 segundos ao detonar uma bomba atômica de 30 quilotons a 1532 metros de profundidade, colapsando o poço.
  • O que caracteriza um incidente “Broken Arrow”?
    Broken Arrow é a classificação oficial dada aos Estados Unidos para acidentes envolvendo armas nucleares que não representam risco de guerra nuclear, como perdas ou acidentes com bombas durante transporte ou patrulha.