Imagine um mundo onde as estruturas ao nosso redor ajudem a absorver dióxido de carbono, em vez de apenas liberá-lo na atmosfera. Um cenário onde utilizamos a tecnologia para acelerar processos que a própria natureza já domina. Essa realidade já existe, impulsionada por empresas como a Paebbl, uma startup de Roterdã que está transformando o CO2 em matéria-prima para construção.
A Química por Trás da Inovação
O método empregado pela Paebbl é descrito como uma forma de levar a química da natureza “turbinada”. A base desse processo reside no fenômeno conhecido como intemperismo de rochas (rock weathering), que é parte fundamental do ciclo de carbono da Terra.
Atualmente, esse processo natural já remove anualmente cerca de um bilhão de toneladas de CO2 do ar. Isso ocorre quando a água da chuva se mistura com poeira de rochas, dissolvendo o dióxido de carbono e convertendo-o em minerais que o aprisionam em forma sólida, podendo durar milhares a milhões de anos. Esse é um dos sumidouros de carbono de longo prazo do planeta, mas, como se pode imaginar, é um processo extremamente lento.
A inovação consiste em pegar essa mesma química e os tipos de minerais encontrados em todos os continentes, quebrá-los e colocá-los em um reator químico. Ao aumentar a pressão e a temperatura e adicionar alguns catalisadores, é possível gerar um material valioso para a indústria da construção.
Este material pode ser utilizado para substituir materiais cimentícios, que atualmente são responsáveis por 6% a 8% das emissões globais de gases de efeito estufa.
O Problema do Cimento Tradicional
O cerne da questão com o cimento tradicional é que sua matéria-prima principal é o calcário. O calcário é carbonato de cálcio, que é óxido de cálcio e CO2 unidos em forma mineral. Em altas temperaturas, esses componentes são dissociados, o que gera a emissão de CO2.
Isso significa que, mesmo que a produção de cimento seja eletrificada, ainda haverá entre 40% e 50% das emissões devido ao material utilizado.
A Solução Carbono-Negativa
Em contraste, ao criar materiais com propriedades cimentícias (é importante notar que o produto não é um substituto 1:1 do cimento, mas possui características semelhantes), o processo funciona da seguinte forma:
- Inicia-se com duas toneladas de minerais (um tipo ligeiramente diferente).
- Em vez de queimar esses minerais em alta temperatura liberando CO2, adiciona-se uma tonelada de CO2 a essas duas toneladas de rochas.
- Gera-se calor no processo.
- Ao final, resultam três toneladas de produto final.
Escalabilidade e Aplicações Atuais
Desde o seu lançamento em 2020, a empresa tem focado em aumentar sua capacidade de produção. A produção saltou de cerca de dois quilogramas de material por dia para 200 ou 300 quilogramas em novembro de 2024.
O grande avanço técnico necessário para escalar a produção é migrar de um processo de batelada (em lotes) para um processo contínuo. Para isso, foi construída uma planta em escala de demonstração, inaugurada em Roterdã em março. Esta planta tem capacidade de processar aproximadamente 900 toneladas de CO2 por ano, gerando entre 2.500 e 4.000 toneladas de produto anualmente.
Embora represente um salto significativo, essa escala ainda é muito pequena para os padrões da indústria da construção. O próximo passo é construir uma unidade em escala comercial completa, e a empresa já está no processo de seleção do local para esta nova instalação.
A tecnologia já foi aplicada em diversos projetos na Europa, desde âncoras de paredões de cais em Roterdã até pisos de concreto em uma loja de luxo em Paris.
Viabilidade Econômica
Para que o material de construção que armazena carbono possa ser implementado em larga escala e competir com o concreto tradicional, ele precisa ser economicamente viável. O objetivo é atingir a paridade de custo com o cimento e outros materiais cimentícios suplementares com a primeira planta em escala comercial.
Embora a paridade total possa não ser alcançada imediatamente com a primeira planta comercial, há uma projeção firme de que, ao construir plantas maiores, a competitividade com os produtos tradicionais do setor será alcançada.
A Constância da Construção
A indústria da construção é fundamental e perene. Seja a economia florescendo ou em dificuldade, este é o maior setor do planeta e está sempre em ascensão. Curiosamente, costuma-se construir mais quando a economia está em baixa, pois governos investem em infraestrutura para estimular o motor econômico.
Os humanos produzem cerca de 30 bilhões de toneladas de concreto anualmente. Simultaneamente, bombeamos de 30 a 50 bilhões de toneladas de CO2 para a atmosfera. É fundamental notar que não pararemos de usar concreto.
Com a taxa atual de urbanização, será necessário o equivalente a uma Manhattan em concreto por mês até 2050. Cerca de três quartos de toda a infraestrutura necessária até lá ainda precisa ser construída, e grande parte será de concreto, pois faltam alternativas viáveis.
Se for possível transformar o concreto de um emissor líquido para um emissor zero ou até mesmo um sumidouro líquido de carbono, teremos uma solução extremamente interessante em nível social.
Perguntas Frequentes
- Como o intemperismo de rochas se relaciona com o novo material de construção?
O processo utiliza a mesma química do intemperismo natural de rochas, acelerando a reação entre minerais e CO2 para aprisionar o carbono em um novo material cimentício. - O que torna o cimento tradicional um grande emissor de CO2?
A principal razão é o uso de calcário (carbonato de cálcio), que libera grandes quantidades de CO2 quando aquecido a altas temperaturas durante o processo de fabricação. - É possível que este material se torne competitivo em custo com o concreto convencional?
Há projeções de que, ao operar plantas em escala comercial maiores, os custos se tornarão competitivos com os produtos tradicionais do setor. - Qual o desafio técnico imediato para o aumento da produção?
O grande salto técnico necessário é a transição da produção em lotes (batch process) para um processo contínuo. - Por que a indústria da construção continuará utilizando grandes volumes de material?
Devido à contínua taxa de urbanização, será necessária a construção de uma quantidade massiva de nova infraestrutura até 2050, e o concreto é atualmente o material predominante.
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